O Hub Peregum inicia suas atividades em evento que reuniu autoridades, lideranças e militância para o comprometimento com a agenda antirracista
Njila Kiambote
(que Nzila traga seus benefícios)
Vela acesa, tambores ressoam a sabedoria dos antepassados, obis no chão, o caminho se revela em uma trilha de prosperidade e equilíbrio. Foi assim que o Instituto de Referência Negra Peregum abriu as portas da Casa dos Movimentos Negros, na noite do dia 27 de agosto, no Lago Sul, em Brasília.
A convite da organização, o Sacerdote Tata Ngunzetala realizou uma celebração de abertura repleta de simbolismos do Candomblé de tradição Angola-Kongo. “A Casa dos Movimentos Negros no Planalto Central do Brasil está de portas abertas. Saudando e louvando os caminhos para que sejam generosos e abundantes. Njila Kiambote”, projeta o sacerdote.
No candomblé de tradição Angola- Kongo, Njila representa o inquice, a divindade dos caminhos, encruzilhadas, bifurcações, da comunicação, análogo a Exu, no Candomblé Ketu. Iniciamos esse novo espaço, celebrando a tradição da cultura afro-brasileira, em um gesto de reverência e respeito às divindades, à ancestralidade e aos mais velhos que permanecem na luta por justiça, promoção e defesa dos direitos da população negra no Brasil.
“Essa Casa é uma demanda do movimento negro há meio século. Todos os grupos de interesse desse país têm escritório e lobby em Brasília. Todos os grupos influenciam o Congresso Nacional para as suas demandas, e o povo negro, que é a maioria do povo brasileiro, não tinha esse espaço. A partir de hoje, ele tem”, celebrou Douglas Belchior, consultor sênior para Incidência Política e Advocacy, no Instituto de Referência Negra Peregum.
“Nós estamos bem felizes. Esperamos que o movimento negro aceite, acolha, receba e participe também, para que esse espaço seja cada vez mais preto, cada vez mais participativo, cada vez mais democrático. Vamos aquilombar aqui o Lago Sul”, afirmou Selma Dealdina, da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ).
O jornalista Pedro Borges, fundador da Agência Alma Preta, acredita que a Casa é um passo muito importante para organizações do movimento negro e para os canais de mídia independente, representando um avanço na luta contra o racismo e contra a discriminação racial.
“Esse espaço é muito importante para o movimento negro e vou dizer também pra imprensa negra, a gente ainda enfrenta grandes desafios na cobertura da política nacional para jornalistas negros, para canais de mídia negra, e acredito muito que esse espaço vai ser também um espaço de encontro desses jornalistas, um espaço de conexão desses repórteres com as suas fontes, de aproximação das organizações de movimento negro com os jornalistas e com os canais de imprensa negra”, afirma o jornalista.
Para Juliana Garcia, coordenadora do Instituto Nós em Movimento, a Casa dos Movimentos Negros é a base central da construção de políticas rumo a uma sociedade antirracista e sustentável para todos. “O Hub Peregum é o escritório, é a casa, é o chão, que vai construir políticas sólidas pela igualdade racial dos próximos anos, porque a agenda é inclusiva, ela vai contribuir não apenas para o segmento, mas irá contribuir para o desenvolvimento econômico, social e sustentável do país”, pontua.
Fabiola de Carvalho, coordenadora de Territórios do movimento UNEafro Brasil, descreve o quanto a nova sede do movimento negro, em Brasília, é fundamental para as incidências da juventude negra dos núcleos de educação popular. “É muito importante dizer para a juventude que ter um espaço como este de referência é um resgate da história e uma atualização dos dias de hoje. Para eles saberem que existe esse espaço e que esse espaço também é deles, pessoas e movimentos se organizam para construir políticas públicas e uma caminhada sólida para quem está chegando é muito importante”, expõe Fabiola.
“Pensar que a educação popular anseia por políticas públicas que possam dar condições para os cursinhos populares de diversos territórios e contribuir na trajetória educacional de meninos e meninas é de extrema importância. Por isso, entendo esse momento como um marco histórico para todos nós que, em outros tempos, tivemos diversas vezes aqui em Brasília, em frentes de luta, em frentes de atuações, em sua maioria, pessoas pretas com suas jornadas e é muito importante contar para as pessoas como foi e como estamos hoje”, pontua a coordenadora da UNEafro Brasil.
Agô
Com licença aos mais velhos
A sala principal do espaço foi nomeada como “Sala Benedita da Silva e Paulo Paim” em homenagem às contribuições históricas da deputada federal e do senador que lutaram em nome do movimento negro na constituinte. A condecoração contou com a participação emocionante das duas autoridades que, através de um gesto simbólico, retiraram o véu da placa.
“São aqueles que nós temos como espelho, que a gente quer reproduzir no Congresso Nacional. São pessoas que inspiram a nossa luta. Nós somos de uma tradição em que a gente saúda os mais velhos o tempo todo. Os mais velhos são aqueles que dão o caminho, são aqueles que orientam”, reforçou Douglas durante a inauguração da sala.
Para Benedita da Silva, deputada federal pelo Partido dos Trabalhadores do Rio de Janeiro (PT-RJ), a Casa dos Movimentos Negros é um sonho realizado. Aos 82 anos, Benedita ecoa as vozes das favelas, das mulheres negras, da juventude periférica e da cultura, sendo a primeira mulher negra a ocupar o cargo de vereadora no município do Rio de Janeiro. Atualmente, a deputada cumpre o seu quinto mandato.
Benedita foi deputada federal na Assembleia Constituinte de 1988, senadora da República e governadora do estado do Rio de Janeiro e, com certeza, uma representante importantíssima na luta antirracista. “Nós tivemos um grande retrocesso [no governo anterior], mas agora está nas mãos de vocês, porque os instrumentos estão aqui nesta Casa para podermos realizar o sonho não apenas da negritude, é uma questão da democracia. Não há democracia onde há exclusão da maioria do povo brasileiro, que somos nós, negras e negros deste país”, defendeu.
Paulo Paim, senador e autor da lei que criou o Estatuto da Igualdade Racial em 2010, foi responsável por aproximar a luta sindicalista da pauta antirracista. O senador afirmou que a Casa será foco de debate de grandes temas da área pública e privada.
“Essa Casa vai ser um debate permanente das políticas públicas de combate a todo o tipo de preconceito. Com certeza, vai ser um espaço da cultura, do conhecimento, do saber, das grandes articulações, como dialogar mais de forma permanente os movimentos aqui em Brasília com o Executivo, com o Judiciário e com o próprio Legislativo. Quem ganha nesse momento é o Brasil. Porque nós, de forma organizada e com a potência desse local ativo, naturalmente, vamos avançar muito mais”, visa o senador.
Sobre o HUB
A Casa dos Movimentos Negros é um espaço colaborativo, que conta com a parceria de organizações da sociedade civil comprometidas na atuação e interlocução com o governo federal e com o Congresso Nacional para a defesa da igualdade racial e dos direitos humanos.
As organizações que compõem essa iniciativa são: UNEafro Brasil, Alma Preta Jornalismo, Instituto Nós em Movimento, Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ) e nós, do Instituto de Referência Negra Peregum.
“A história do movimento negro é uma trajetória coletiva, compartilhada. A nossa existência nos espaços sempre foi diminuída, invisibilizada, então, estar juntos é uma estratégia histórica, que se expressa nessa Casa”, defendeu Beatriz Lourenço, diretora de Incidência Política do Instituto Peregum.
O principal foco do Hub Peregum será em ações de advocacy, buscando articulação junto a entidades, organismos nacionais e internacionais, instâncias e agentes de representação no poder legislativo e judiciário, e veículos e canais relevantes para a opinião pública. O objetivo é criar um estado de opinião pública antirracista e mudar políticas públicas em favor da população negra.
“A ideia dessa Casa é garantir que a nossa capacidade de formular política pública, de compreender como ela precisa ser, de propor um projeto de país, seja organizada a partir da atuação desses movimentos no diálogo com o Congresso, com o Executivo, mas também no diálogo com a sociedade civil brasileira, porque é nisso que a gente acredita”, completou.
Presenças Ilustres
A cerimônia de inauguração contou com a presença da Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco; da Ministra de Estado do Meio Ambiente e Mudança do Clima no Brasil, Marina Silva; do Ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha; com o Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Márcio Macêdo; do Ministro da Justiça e Segurança Pública do Brasil, Ricardo Lewandowski; do Ministro da Fazenda do Brasil, Fernando Haddad; da Ministra do Superior Tribunal Eleitoral, Cármen Lúcia e do Defensor Público Geral da União, Leonardo Magalhães.
Com a participação dos homenageados senador Paulo Paim e deputada Benedita da Silva; das deputadas Dandara Tonantzin, Carol Dartora e Gisela Simona; dos deputados Orlando Silva, Damião Feliciano, Zeca Dirceu; dos distritais Max Maciel, Fábio Félix e Gabriel Magno e da vereadora paulistana Eliane do Quilombo.
Compareceu também a Secretária de Ações Afirmativas, Combate e Superação do Racismo, Márcia Lima; Ana Toni, do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima no Brasil; Sheila de Carvalho, Secretária Nacional de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP); Angelita Rosa, Secretária-Executiva Adjunta, do MJSP; Marta Machado, Secretária Nacional de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça; Yuri Silva, Secretário do Sistema Nacional de Igualdade Racial; Ronaldo Santos, Secretário Nacional de Políticas para Quilombos, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e Ciganos; Ronald Sorriso, Secretário Nacional de Juventude do Governo Federal; Manoel Carlos, Secretário-Executivo da Justiça; Marivaldo Pereira, Secretário de Acesso à Justiça do MJSP e Marcos Rogério, Secretário Especial para Assuntos Jurídicos da Presidência da República.
Vanessa Nascimento, diretora-executiva do Instituto de Referência Negra Peregum, afirma que a Casa dos Movimentos Negros também visa exercer pressão junto ao Executivo Federal pela efetivação de políticas antirracistas e apoiar ocupantes negras, negros e aliados em posições de poder e decisão, como diretorias e secretarias de ministérios, ministras, ministros e outras posições estratégicas para o avanço de políticas antirracistas no país. “É de extrema importância avançar e qualificar a atuação das forças políticas antirracistas por meio de um trabalho de incidência permanente, sistemático, especializado e profissionalizado. É essa necessidade que buscamos atender”, finaliza a diretora-executiva.
texto| Mayara Nunes
Imagens| Thaiane Miranda