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Movimento Saracura Vai-Vai protocola ação contra irregularidades nas obras da Linha 6 do Metrô em defesa do patrimônio arqueológico afro-brasileiro

8 / 02 / 2023
Notícia
Foto: Thiago Fernandes

Moradores e organizações do movimento negro pedem preservação dos vestígios arqueológicos encontrados no local das obras e reivindica que a memória negra do bairro não seja apagada

Mayara Nunes

O Movimento Mobiliza Saracura Vai-Vai, articulação que reúne cerca de 150 coletivos, movimentos sociais e organizações da sociedade civil, entrou com uma ação em defesa do patrimônio histórico cultural afro-brasileiro nesta terça-feira (7) encontrado durante as escavações da linha 6 laranja do metrô, sob responsabilidade da Concessionária Linha Universidade S.A. 

Entre as ruas Dr. Lourenço Granato e Manuel Dutra, no bairro do Bixiga, está localizado o sítio arqueológico Saracura/14 bis. O local que ainda hoje é marcado pela presença negra em seus sobrados, vielas, espaços culturais e casas de samba abrigou um dos primeiros quilombos da cidade de São Paulo, o Quilombo do Saracura, também  denominado como “Quadrilátero Negro” e traz vestígios de uma ocupação histórica no século XIX e início do século XX.  

A área foi cadastrada no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), que reconheceu sua relevância para a preservação da memória negra na cidade de São Paulo,  “o órgão anuiu ao licenciamento da obra em 2017 dispensando a pesquisa arqueológica prévia exigida na legislação” e “não considerou a paralisação das obras ou a reavaliação da anuência concedida ao licenciamento ambiental do empreendimento, o que ameaça a busca e valoração arqueológica e histórica dos materiais que se encontram e que ainda poderão ser encontrados”, afirma o Dr. Hédio Silva, advogado e coordenador executivo do IDAFRO. 

A região, herdeira de uma tradição quilombola atravessou o século ressignificando o local e a paisagem do notável Bixiga com a cultura popular negra do samba e dos povos de matriz africana. O Bixiga é um bairro negro ancestral e altamente comunitário, uma referência cultural para a cidade de São Paulo e para o Brasil. Um patrimônio nacional. 

A partir das peças que já foram encontradas, se faz necessária uma busca com o devido acautelamento em relação às condições climáticas e às próprias exigências da obra e, que leve em consideração as especificidades da cultura negra, tendo em vista aspectos sociais, culturais e religiosos, dos arquivos fósseis que apontam indícios e peculiaridades históricas e geográficas do bairro. Uma história que precisa ser pesquisada e recontada, mas que corre o risco de ser destruída. 

“É importante considerar que a comunidade não foi consultada previamente sobre a execução da obra e teve sucessivas negativas de acesso a informações relevantes sobre seu andamento”, reforça Ágatha de Miranda, advogada do Instituto de Referência Negra Peregum.

A inundação da área delimitada pela concessionária para resgate do sítio arqueológico, ocorrida na tarde da última terça-feira (7/2), durante a tempestade que atingiu a capital, evidencia um risco que vem sendo alertado desde o início da mobilização que reúne moradores, pesquisadores, sambistas e agentes culturais. 

Cinco dias antes do início do resgate, em 19 de janeiro, os moradores formalizaram pedido ao IPHAN para se pronunciar pelo adiamento das escavações na área do Sítio para depois do período de chuvas. O temor é que as águas do rio Saracura, tamponado sob a Avenida 9 de Julho e o canteiro de obras, leve peças de interesse arqueológico. As imagens do dia de ontem, com a enxurrada estourando a barreira de segurança de concreto montada para o trabalho dos arqueólogos e levando quilos de pedras para o meio da Avenida comprovam os temores dos moradores da região. A empresa, no entanto, emitiu pronunciamento afirmando que pretende seguir com as obras.

Ao conceder o licenciamento para a continuidade das obras ignorando etapas do processo e, com a obra em curso, reconhecer a valoração arqueológica do patrimônio encontrado mas não tomar nenhuma providência diante dos riscos à preservação da memória do bairro, os órgãos e empresas responsáveis descumprem obrigações legais.

Para Gisele Brito, coordenadora da área de Direito a Cidades Antirracistas do Instituto de Referência Negra Peregum é lamentável pedir a suspensão de uma obra tão fundamental para a cidade, porém a coordenadora reitera que não podemos aceitar que as irregularidades cometidas passem por cima da história, memória e dos direitos população negra.

“Para ser antirracista é preciso ter ações conscientes.  Ações conscientes e constantes, o que não aconteceu nessa obra, o que não acontece na maioria das obras, mas que nesse caso foi preciso inclusive cometer ilegalidades para dar espaço para um projeto desenvolvimentista que na verdade tem como objetivo o embranquecimento do território e o apagamento de um território negro, de um bairro negro na cidade de São Paulo”, afirma a coordenadora do Instuto de Referência Negra Peregum 

O Movimento Saracura Vai-Vai reconhece a importância do acesso ao metrô para as pessoas do bairro, mas ressalta que a infraestrutura urbana não deve ser construída em cima do apagamento intencional da memória e do desrespeito com os direitos culturais de um povo. O Bixiga luta para ter acesso à sua história, pelo resgate da memória de seus antepassados e pelo afeto e mobilização cultural que esse registro traz à população negra que reside no local. O acesso à informação e o não apagamento desses registros pelas obras do metrô é reparação histórica.

A ação judicial foi protocolada em parceria com o Instituto de Referência Negra Peregum e o Movimento Negro Unificado (MNU) e é subscrita também pelos advogados Lenny de Oliveira e Anivaldo dos Anjos.