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Firminas e Mahins no 14º Cortejo da Consciência Negra da EMEF Dr. José Dias da Silveira: educação antirracista e celebração em rede

9 / 12 / 2025

Ação formativa, artística e educativa reforça protagonismo de meninas negras e imigrantes integrantes do Projeto no âmbito do Programa Malala Peregum

As ruas ganharam cor, canto, celebração e memória no 14º Cortejo da Consciência Negra da EMEF José Dias da Silveira, onde meninas negras, coroadas como “princesas  da consciência negra” receberam e coroaram “as princesas de outras terras” meninas negras imigrantes do Projeto Firminas e Mahins estudantes da EMEF Duque de Caxias. Juntas,  caminharam à frente de um grupo de cerca de 500 estudantes do ensino fundamental no último dia 28 de novembro. As integrantes do Projeto Firminas e Mahins, do Programa Malala Peregum, junto com as Princesas da Consciência Negra, abriram o cortejo como quem anunciam o futuro — sustentando passos rumo à valorização da cultura afro-brasileira e africana e reafirmando o sentido coletivo de estar em comunidade.

A comunidade que fez parte do cortejo era composta também por professores, coordenações pedagógicas, equipes escolares, representantes da UNEafro Brasil, da DRE Butantã e pessoas convidadas para o ato festivo pelas ruas no entorno da EMEF Dr. José Dias da Silveira, na Vila Cordeiro. A escola anfitriã recebeu a EMEF Duque de Caxias, localizada no bairro do Glicério, no eixo do Quilombo Saracura Vai-Vai, para o cortejo, evento marco público de luta antirracista no calendário escolar. O tema do ano, Adinkras no AmarElo, celebrou a tecnologia do povo Ashanti,  grupo étnico do povo Akan, nativo da região central de Gana, e dialogou com o álbum-manifesto AmarElo, de Emicida, base criativa da festa. Bandeiras de países africanos, símbolos ancestrais e narrativas de orgulho compuseram o percurso. 

Esse ano, o cortejo recebeu a presença do Projeto Firminas de Mahins, realizado por meio de uma parceria do Programa Malala Peregum e a EMEF Duque de Caxias. A iniciativa tem por objetivo acompanhar 15 meninas negras e imigrantes, matriculadas nos anos finais do ensino fundamental. As estudantes fazem aulas de introdução ao teatro e literaturas afro-brasileiras duas horas extras, duas vezes na semana durante dois anos. A formação se constitui como um espaço permanente de reflexão sobre questões étnico-raciais interseccionadas com questões de gênero e das juventudes, de forma a estimular a permanência das estudantes na escola.  

A coordenadora de educação do Instituto Peregum, Adriana Moreira, explica que o cortejo sintetiza a trajetória formativa de um grupo de profissionais da educação pública estatal gratuita e laica da cidade de São Paulo comprometido em seu fazer profissional com artigo 26-A da LDB alterado pela Lei nº 10.639/03, ao integrar arte, memória, ancestralidade e identidade como elementos constitutivos do currículo escolar, mobilizando o conjunto dos setores da comunidade escolar e aprofundando os sentidos da gestão democrática na escola nos últimos 14 anos. 

Como parte da equipe do Projeto Firminas e Mahins, Elizandra Souza, escritora, poeta, jornalista e arte-educadora na linguagem de escrita, reforça o papel central da cultura e a metodologia processual da iniciativa. Segundo ela, “o Projeto tem sido desafiador. Dá para perceber o quanto a cultura é aliada da educação”. E quanto à participação no cortejo, Elizandra comemora: “Fico animada com a apresentação, porque a ideia também não é transformá-las em artistas, mas sim incentivar esse lugar de colocar a voz e o corpo delas para o mundo, justamente o que nos falta como mulheres negras.”

Junto com Dirce Thomaz, as duas conduzem oficinas de criação literária, expressão corporal e exploração cênica com temáticas desde gravidez na adolescência até o acesso aos direitos, sempre alinhadas às necessidades das escolas e aos princípios da educação antirracista. Atriz e diretora, Dirce igualmente celebra a presença das meninas no cortejo. Ecoando referências históricas, menciona que o projeto já traz dois nomes fundamentais em sua própria denominação — Maria Firmina dos Reis e Luísa Mahin. Para ela, a proposta é estabelecer “espaços de possibilidades, com apoio contínuo para as meninas”, especialmente considerando as estudantes imigrantes de Angola, Guiné-Bissau e Haiti. Dirce reforça ainda que, mesmo tímidas, “elas foram coroadas e saíram na frente no cortejo”, mostrando como o Firminas e Mahins transforma trajetórias.

A coordenadora pedagógica Carina Alves Ocaña da EMEF Duque de Caxias destaca o protagonismo das estudantes. “Elas conversaram com os colegas, convenceram estudantes a participar, explicaram o que era o cortejo”, afirma Carina. De acordo com ela, a criação de vínculo e redes de apoio tem sido visível entre todas as pessoas: “A preparação para a ida ao cortejo contou com uma oficina de tranças como ato de cuidado entre elas e deu força para a experiência de estar na linha de frente da apresentação.”

E essa força foi citada como elemento central da ação. A estudante de pedagogia e estagiária, Andressa Souza, descreve o processo como inovador. “É significativo estar com elas”, já que o cortejo apresenta ancestralidade e mostra as potencialidades delas. Nesse sentido, a estudante Larissa de Souza enfatiza o gesto de fortaleza: “Com a trança, me senti forte.”

Esse sentimento repercutiu nas vozes de outras meninas. Adriana Neves, estudante imigrante de Angola, conta: “Tenho gostado do projeto e das rodas sobre temas como gravidez na adolescência e racismo, consigo levar todas as informações para a vida.” Sobre o cortejo, apesar do nervoso, ela comenta: “Correu tudo bem e gostei.” Já Esthefani Barros afirma: “Fiquei ansiosa e feliz. Nós conseguimos!” E Ketelen Montezzano descreve o cortejo como sua primeira manifestação política: “Em alguns lugares, uma mulher negra pode não ter voz, mas na rua a gente conseguiu falar e mostrar que queremos nossos direitos.”

O acesso aos direitos, inclusive, é lembrado como meta constante durante a execução da iniciativa pela assistente de projetos Gabriela Santos. Por atender meninas negras e imigrantes dos anos finais do ensino fundamental da rede pública de ensino, fica evidente a necessidade de políticas públicas que as acolham. “O projeto visa combater todo tipo de violência e violação em prol do acesso aos direitos”, disse. Segundo ela, “o cortejo e o manifesto as integram justamente no enfrentamento ao racismo e ao sexismo, com impacto direto na vida escolar.”

Educação antirracista em rede: intercâmbio e colaboração entre escolas

O Projeto Firminas e Mahins extrapola os muros da escola onde está situado. Graças à articulação para criar pontes e efetivar um intercâmbio entre unidades escolares, Adriana Moreira, de Peregum, e a direção da EMEF Dr. José Dias da Silveira geraram um encontro histórico. Para a diretora da escola na zona oeste, Cissa Carlini, é relevante o processo vivenciado pela comunidade escolar, viabilizando maior repertório para as crianças por meio do incentivo e trabalho docente em múltiplas áreas, consolidando as culturas afro-brasileiras como pilares da sociedade. Segundo ela, “a cada ano a luta antirracista se fortalece na comunidade escolar, e o Instituto de Referência Negra Peregum foi a ponte entre as EMEFs para alargar o diálogo, criar vínculos e ocupar os territórios de forma festiva.”

À frente da festa, a professora de Artes, que lidera o cortejo desde 2012, Luciana Fernanda Moreira Martins, acrescenta que os exercícios coletivos e as experimentações imagéticas intensificaram o envolvimento das turmas e reforçaram a dimensão estética, política e pedagógica das ações. Ela relembra o trabalho anual e aprofundado, de acordo com ela, receber cerca de 100 estudantes da Duque de Caxias, incluindo as Princesas do Projeto Firminas e Mahins “é incrível e só foi possível graças à parceria com o Instituto Peregum.”

Para Jumara Pereira de Carvalho Silva, professora de História e orientadora do Grêmio Estudantil da EMEF anfitriã, o evento marca um ciclo de trabalho voltado à valorização das qualidades e potencialidades das negritudes. De acordo com ela, “este ano foi muito importante receber as meninas pelo compartilhamento das histórias delas com os nossos alunos. Elas abrilhantaram o evento, e tudo isso mostra como é essencial entender processos, ativar a escuta, agregar todas as pessoas que defendem direitos. Por isso, a parceria do Instituto fez diferença para uma resposta tão grandiosa como foi o cortejo deste ano.”

Democracia como caminho – expectativas para o Projeto Firminas e Mahins

Em relação aos próximos passos, Adriana Moreira anuncia a criação da Embaixada Firminas e Mahins para professoras e professores, um ciclo formativo mensal dedicado ao aprimoramento das práticas pedagógicas da EMEF Duque de Caxias. “Essa etapa é fundamental para consolidar uma gestão escolar comprometida com a justiça racial e de gênero, ampliando o impacto do Programa Malala Peregum”, destaca. Está previsto também o lançamento da pesquisa sobre trajetórias educacionais de gênero e raça na educação. 

Ela reafirma, ainda, o compromisso do Instituto Peregum com  democracia e com a centralidade do enfrentamento ao racismo nas políticas educacionais. “O combate ao racismo e ao sexismo é um dos elementos centrais para o fortalecimento dos sentidos da Democracia no Brasil, que precisa diuturnamente ser protegida. Desta forma, produzir ações para a garantia do direito à educação de meninas negras e imigrantes é um passo fundamental para aprimorar o sistema de ensino democrática, gratuito, público, estatal, laico, antirracista e antissexista.” 

O direito à educação de meninas negras e imigrantes está no centro do Programa Malala Peregum. A iniciativa é organizada em três eixos de atuação: produção de evidências e difusão do conhecimento; formação continuada de profissionais da educação pública e desenvolvimento de proposituras afirmativas para a educação básica. A construção e execução do Programa Malala Peregum abarca o Projeto Firminas e Mahins realizado na EMEF Duque de Caxias, assim como ações em parceria com a UNEafro Brasil  e a Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

Texto: Juliana Vieira

Fotos: Daisy Serena