O Hub Peregum – Uma Casa para os Movimentos Negros, em Brasília, foi palco, no dia 30 de setembro, do lançamento do programa Pontes e Desafios para a Justiça Racial. O projeto integra o Arco da Dignidade da População Negra, do Conselho de Desenvolvimento Ecônomico e Social (CDESS), e busca democratizar o acesso à informação e ampliar o protagonismo negro em pautas estratégicas, por meio de debates audiovisuais críticos e acessíveis.
O episódio inaugural debateu o tema Colonialismo Digital: entre o racismo algorítmico e o racismo ambiental, conectando racismo algorítmico, impactos ambientais e disputas geopolíticas em torno de terras raras e data centers. O encontro reuniu acadêmicos, juventude negra, lideranças e representantes do poder público.
Participaram da mesa:
- Tarcizio Silva, pesquisador sênior de Políticas de Tecnologia da Fundação Mozilla, mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA e doutorando em Ciências Humanas e Sociais na UFABC, onde estuda racismo algorítmico e imaginários sociotécnicos de resistência;
- Deivison Faustino, doutor em Sociologia, professor do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Políticas Sociais da Universidade Federal de São Paulo, integrante do Instituto Amma Psique e Negritude e pesquisador do Núcleo Reflexos de Palmares.
A mediação foi conduzida por Gisele Brito, coordenadora da área de Clima e Cidade do Instituto de Referência Negra Peregum.
Na abertura do encontro, o pesquisador Deivison Faustino destacou que o colonialismo não desapareceu, mas se reconfigurou. Nesses tempos, ele se manifesta pela imposição de valores culturais, manipulação política e por meio da exploração econômica, como por exemplo, a extração de minérios para sustentar a produção capitalista de grandes empresas de tecnologia, como as fabricantes de celulares.
Faustino ressaltou que o colonialismo digital é um fenômeno geopolítico marcado pela concentração de poder das big techs e pela distribuição desigual da violência, que afeta de forma específica os países do Sul Global.
“Essa violência atinge especialmente os países do Sul Global, reduzindo-os a meros fornecedores de matéria-prima para o modelo de acumulação — seja pelo cobalto extraído violentamente na República Democrática do Congo, pelo ouro retirado das terras Yanomami, ou pelos golpes de Estado para garantir o acesso ao lítio na Bolívia. Além disso, o colonialismo digital coloca esses países em posição subalterna, obrigando-os a acessar tecnologia por meio de grandes investimentos estatais, sem conseguir desenvolver suas próprias soluções tecnológicas.”
Na sequência, o pesquisador Tarcízio Silva abordou como algoritmos de recomendação, sistemas de reconhecimento facial, buscadores e plataformas digitais acabam por reproduzir, amplificar e naturalizar o racismo estrutural.
Segundo Tarcízio, esses sistemas, frequentemente vistos como “neutros” ou “objetivos”, na verdade reproduzem e ampliam em escala tecnológica as desigualdades já existentes. Isso ocorre porque são construídos a partir de dados históricos marcados pela mesma lógica racista, patriarcal que, por séculos, negligenciou, excluiu e violentou a população negra e outros grupos vulnerabilizados.
Tarcízio ressalta a importância de incluir os movimentos negros no debate sobre inteligência artificial e novas tecnologias:
“A inteligência artificial tem perpassado tudo, inclusive muitos problemas. Os movimentos negros e a sociedade civil precisam agir para a defesa de direitos e para a construção de mundos melhores. A participação social é central para enfrentarmos os desafios que essa tecnologia traz.”
Já a mediadora do evento, doutoranda em Planejamento Urbano pela FAU-USP e coordenadora de Clima e Cidade do Peregum, Gisele Brito, destacou a relação entre o colonialismo digital e o racismo ambiental:
“Estamos vivenciando uma nova etapa do capitalismo global, alimentada por dados e minerais explorados em uma lógica semelhante à do colonialismo e do racismo ambiental. Precisamos enfrentar essa transição para que os impactos ambientais, sociais e econômicos não sejam distribuídos racialmente, como já acontece. Esse debate acrescenta muito à nossa agenda de justiça climática e enfrentamento ao racismo ambiental.”
Uma estratégia nacional de mobilização
Mais do que a produção de conteúdos audiovisuais, o Pontes e Desafios para a Justiça Racial se consolida como uma estratégia nacional de comunicação e mobilização. Entre suas ações estão debates em videocast, difusão multiplataforma com recursos de acessibilidade e uma pesquisa sobre o impacto do projeto.
Inserido no Arco da Dignidade da População Negra, o programa dialoga diretamente com políticas de enfrentamento às desigualdades raciais. O lançamento marca um primeiro passo de articulação entre governo, sociedade civil e movimentos sociais para garantir que a população negra seja protagonista nos rumos do Brasil diante dos desafios tecnológicos, sociais e climáticos do século XXI.
Para Douglas Belchior, diretor de articulação política do Instituto de Referência Negra Peregum, ativista e fundador da Uneafro Brasil, o programa nasce como um espaço de articulação política fundamental:
“São muitos os desafios, estamos aqui para construir pontes. Nesse primeiro encontro, conseguimos reunir governo, academia, juventudes periféricas e movimentos sociais. Esse debate vai gerar um produto que servirá de formação para os nossos núcleos de base e também alimentará nossa incidência política para garantir que pessoas negras ocupem espaços de decisão sobre tecnologia no Brasil.”
























