Instituto de Referência Negra Peregum e UNEafro Brasil realizam oficinas que relacionam crise climática e desigualdade racial e direito à educação. Produção coletiva será levada para a conferência da ONU em Belém (PA), em 2025.
Nos dias 22, 26 e 29 de setembro, cerca de 60 meninas negras regularmente matriculadas nos anos finais do ensino fundamental, em escolas públicas da capital e da Grande São Paulo, participaram de oficinas para discutir como a crise climática global impacta a suas respectivas trajetórias educacionais. A iniciativa, chamada O impacto da crise climática global nas trajetórias educacionais de meninas negras – Flor de Risco, foi promovida pelo Instituto de Referência Negra Peregum em parceria com a UNEafro Brasil e integra as atividades preparatórias de construção de agenda política e mobilização para a COP30, conferência da ONU sobre mudanças climáticas, que acontecerá em novembro 2025 em Belém (PA).
As oficinas, realizadas na sede da UNEafro Brasil, apresentaram a Flor de Risco, metodologia sancionada pelo Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação utilizada para desenvolver o que o Brasil entende por Adaptação Climática. Neste sentido, as oficinas tendo o direito à educação de meninas negras como questão central, se apresentou não apenas como uma oportunidade identificação das barreiras educacionais de meninas negras relacionados à crise climática global como também de reivindicar no espaço da COP30 a Educação como um setor estratégico da Adaptação Climática, considerando, evidentemente, a justiça racial.
Segundo Adriana Moreira, coordenadora do eixo de Educação do Instituto Peregum, a iniciativa marca uma mudança importante:
“As oficinas nos dão a oportunidade de pensar sobre algumas questões, mas gostaria de destacar, neste momento, duas delas: após, 22 anos da alteração do artigo 26-A LDB nº 9394/96 por meio da Lei nº 10639/03 torna obrigatório o ensino de História da África e Áfro-Brasileira, resultado da luta histórica do corpo político negro brasileiro, as escolas públicas aceitarem o convite para que participarem de oficinas de temática cientifica, sociealmente e racialmente referenciada, significa que avançamos enquanto sociedade. O movimento negro sendo reconhecido legitimamente como produtor de conhecimento no campo da educação. A segunda questão diz respeito ao fato de ofertar a possibilidade da difusão de conhecimento científico especifico como a Flor de Risco para meninas negras, grupo historicamente distanciado do debate sobre clima e cidade ao passo que é vítima crise climática. Aproximar o conhecimento dos grupos que dele podem se apoderar e se benefeciar desse processo é a tarefa precípua da aliança Uneafro Brasil e Peregum.
Metodologia e escuta das estudantes
A metodologia utilizada parte do AdaptaBrasil/MCTI, plataforma nacional de análise de riscos climáticos. O enfoque combina três dimensões: ameaças climáticas (eventos climáticos extremos, como secas, chuvas intensas e ondas de calor), exposição, que apura o nivel de exposição a impactos que a localização apresenta ) e vulnerabilidade, que é o nível de vulnerabilidade e capacidade de adaptação das pessoas e ambientes.
Para Gisele Brito, coordenadora do eixo de Clima e Cidades do Instituto Peregum, a percepção cotidiana das estudantes é central para a pesquisa:
“As pessoas que andam pela cidade percebem facilmente as mudanças climáticas. Nós estamos colhendo informações sobre o impacto dessas mudanças na trajetória escolar de meninas negras. Essa atividade é importante porque o Peregum se alimenta da base para fundamentar suas incidências políticas.”
Ela destaca como as jovens se apropriaram dos debates:
“Estamos falando da COP, de transição energética e de justiça climática. Elas entendem muito bem, mas às vezes precisam de um empurrãozinho com os termos técnicos. Esse processo ajudou elas a se enxergarem no meio ambiente e nos ajudou a pensar essas dinâmicas na relação com a educação.”
Apesar das diferenças territoriais, as estudantes trouxeram desafios semelhantes:
“São meninas negras de escolas públicas de três territórios diferentes da Grande São Paulo. Apesar das diferentes localizações, há pontos que se repetem em suas falas: a falta de luz e água, a exposição a enchentes e alagamentos. No centro ou na periferia, os lugares onde as comunidades negras estão inseridas são os mais vitimados pelo racismo ambiental. São crianças que vivem muito vulneráveis e muito expostas ao risco.”
Sobre a metodologia Flor de Risco, Gisele acrescenta:
“Ela cruza indicadores de ameaça, exposição e vulnerabilidade para entender o impacto que o risco pode gerar. É um piloto, mas já está trazendo muito acúmulo de informações com as meninas. Não tem como falar sobre mudanças climáticas sem falar sobre racismo ambiental e sem pensar como é preciso ter justiça climática para alcançar uma adaptação, mitigação e transição energética justas.”
Justiça climática e combate ao racismo ambiental
O Instituto Peregum tem se destacado em estudos que mostram como investimentos públicos e privados em urbanização e infraestrutura têm provocado o deslocamento da população negra para áreas mais vulneráveis e ambientalmente frágeis. Para a organização, enfrentar os impactos da crise climática passa necessariamente por combater o racismo ambiental e garantir o direito à cidade, à terra e ao bem viver da população negra.
A ação com meninas da rede pública, portanto, fortalece o protagonismo juvenil e contribui para que novas gerações transformem os desafios ambientais em oportunidades de justiça climática.
As oficinas Flor de Risco aconteceram na sede da Uneafro Brasil, localizada na Rua Abolição, no bairro da Bela Vista (SP), participaram estudantes da EE Profa. Lacy Lenski Lopes (Poá – SP); da EMEF Júlio de Grammont (Zona Leste – SP); e da EMEF Duque de Caxias (Centro – SP).