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Tecnologia e ancestralidade se encontram em oficina do GriôTech, no Quilombo do Bracuí

22 / 09 / 2025

No dia 6 de setembro, o Instituto de Referência Negra Peregum, por meio do projeto GriôTech, realizou um encontro no Quilombo do Bracuí, em Angra dos Reis (RJ). O evento, com o tema “Como a Comunicação e a Tecnologia podem contribuir para a valorização cultural”, reuniu jovens, quilombolas, comunicadores, pesquisadores e parceiros para um diálogo sobre memória, produção comunitária e os desafios do mundo digital.

A programação teve início com uma apresentação conceitual do GriôTech por sua criadora e fellow da Mozilla Foundation, Marcelle Chagas do Monte, que reforçou a importância do projeto.

“O GriôTech nasce para unir inovação, tecnologia ancestral e equidade. Nas comunidades quilombolas, como o Bracuí, trabalhamos para formar lideranças comunitárias em letramento digital crítico, criar estratégias contra a desinformação e ampliar a participação nos debates sobre tecnologia e poder. Nosso compromisso é garantir que vozes historicamente silenciadas construam um futuro digital mais justo e inclusivo.” destaca

Em sua participação, Marcus Bonfim, da Rede de Jornalistas Pretos, trouxe reflexões sobre os desafios da desinformação no Brasil. Ele destacou que o país está entre os que mais utilizam WhatsApp, Instagram, Facebook e TikTok como principais fontes de informação, o que favorece a rápida circulação de notícias falsas em grupos fechados e, ao mesmo tempo, dificulta os processos de checagem.

Na sequência, o jornalista propôs uma dinâmica com os jovens, que mapearam exemplos de fake news recebidas recentemente e discutiram estratégias de análise crítica e verificação da veracidade das informações.

“Quando a informação circula sem filtro e sem responsabilidade, ela se transforma em arma. Por isso, precisamos aprender a desconfiar, checar e compartilhar apenas o que fortalece a vida em comunidade”, destacou Marcus Bonfim.

Oficina de “Griôs Digitais” e o papel das narrativas imagéticas 

Na segunda parte do evento, a equipe de comunicação do Instituto Peregum, com Mayara Nunes e Hebert Rodriguês, conduziu a oficina “Griôs Digitais: Tecnologia, Memória e Narrativas Visuais”. A atividade promoveu um debate sobre a ancestralidade griô e a construção de narrativas audiovisuais com base em vivências territoriais.

A fotografia é uma ferramenta fundamental para as comunidades quilombolas porque vai além do simples registro de imagens. Ela tem a função de preservar memórias, afirmar identidades, fortalecer lutas, entre outros. Ao registrar rostos, territórios, celebrações e modos de vida, a fotografia garante que histórias, muitas vezes invisibilizadas pelo discurso hegemônico, sejam transmitidas às futuras gerações. Mais do que memória, ela se torna resistência, denunciando violências, invasões e violações de direitos. Quando produzida pelas próprias comunidades, rompe com o olhar externo e estigmatizante, permitindo a autorrepresentação e a valorização da cultura quilombola a partir de dentro.

Para Helbert Rodrigues, artista visual e comunicador de Peregum, a fotografia é uma poderosa ferramenta de transformação. “A fotografia é uma ferramenta para construir narrativas positivas no imaginário coletivo da nossa gente. Com ela, podemos fabular futuros possíveis até que virem verdade”, afirma.

Parceria com o Quilombo do Bracuí

O Quilombo Santa Rita do Bracuí, localizado em Angra dos Reis, na Costa Verde do Rio de Janeiro, reúne cerca de 129 famílias descendentes de africanos e africanas submetidos à escravidão que transformaram a antiga Fazenda Bracuhy em espaço de vida, memória e resistência. Reconhecido pela Fundação Cultural Palmares como remanescente quilombola em 1999 e certificado oficialmente em 2012, o Bracuí conquistou um marco importante em 2023, quando o Incra publicou portaria reconhecendo 616 hectares como território quilombola, garantindo o direito coletivo à terra.

A comunidade mantém vivas tradições como o jongo, dança e música de matriz africana e, desde 2005, se organiza por meio da ARQUISABRA (Associação dos Remanescentes do Quilombo Santa Rita do Bracuí), que fortalece práticas culturais, educativas e de resistência. Apesar das conquistas, o quilombo ainda enfrenta desafios históricos, como os impactos da construção da rodovia Rio-Santos na década de 1970, além de pressões da especulação imobiliária, grilagem de terras e a carência de políticas públicas que assegurem saúde, infraestrutura e educação de qualidade.

Atualmente, o Bracuí também é parceiro em iniciativas que buscam compreender os efeitos da desinformação nos quilombos, a exemplo do projeto que adota a metodologia do Observatório de Gênero, Raça e Territorialidade na Ciência. A pesquisa analisa como a circulação de informações afeta a comunidade e quais estratégias coletivas podem ser construídas para enfrentar esse problema.

Mário Guettogroove, pedagogo e parceiro do Bracuí, destacou a importância desse processo para o fortalecimento da comunidade. “Tivemos um encontro muito potente no quilombo do Bracuí, onde, juntamente com os griôs do território — como Dona Marilda, Seu Valmir e Raíssa, remanescente quilombola do Bracuí — e com a equipe do GriôTech, debatemos os processos de desinformação: como eles acontecem, como são consumidos via internet e seus impactos. Essa atividade foi extremamente significativa e enriquecedora para todos.”

Vanessa Nascimento, diretora institucional do Instituto Peregum, reafirma o compromisso da organização com lideranças, movimentos e comunidades negras. “No Instituto Peregum, nosso propósito é caminhar lado a lado com as comunidades negras, transformando saberes ancestrais em ações concretas. A parceria com o Quilombo do Bracuí, por meio do GriôTech, exemplifica como tecnologia, memória e comunicação podem fortalecer lideranças locais, combater a desinformação e assegurar que as vozes da comunidade guiem decisões que impactam diretamente seu território e sua cultura”, pontua. 

Veja como foi o encontro: