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5ª Conferência Africana sobre Dívida e Desenvolvimento debate reparações e justiça reparativa em Gana

1 / 09 / 2025

Com foco na justiça e reparação, o Instituto de Referência Negra Peregum reafirma a importância de conectar a luta africana por justiça econômica com as realidades da diáspora, especialmente na América Latina.

Nos dias 27 a 29 de agosto de 2025, Accra, capital de Gana, sediou a 5ª Conferência Africana sobre Dívida e Desenvolvimento (AfCoDD V), um dos mais importantes encontros internacionais sobre justiça econômica no continente africano. O evento, organizado pela AFRODAD, IDEAS e Stop the Bleeding Campaign, reuniu especialistas, lideranças políticas, acadêmicas e representantes da sociedade civil de diferentes países africanos para refletir sobre a construção de uma nova arquitetura financeira africana.

Este ano, a conferência trouxe como tema central “Reparations and Reparative Justice for an African Financial Architecture and Transformation” (“Reparações e Justiça Reparativa para uma Arquitetura Financeira Africana e Transformação”), em sintonia com a Agenda 2025 da União Africana, que tem Gana como país protagonista.


Justiça reparatória e transformação

Na sessão de abertura, realizada em 27 de agosto, a palestra principal intitulada “Justice, Reparations and Transformations: Africa’s response to a world in turmoil” (“Justiça, Reparações e Transformações: a resposta da África a um mundo em turbulência”) foi ministrada pela Dra. Liliane Umubyeyi, CEO e fundadora do Africa Futures Lab. O debate contou ainda com a mediação de Wendson Mavoro, de Zâmbia, e com respostas de duas vozes fundamentais para a reflexão global: o professor Hilary Beckles, trazendo a perspectiva caribenha, e Sara Branco, Assessora Internacional do Instituto de Referência Negra Peregum, que apresentou a visão da população afrodescendente no Brasil.

Em sua intervenção, Sara Branco destacou a importância de conectar a luta africana por justiça reparativa com as realidades da diáspora, especialmente na América Latina. Ela lembrou que o Brasil é o país com a maior população negra fora da África e que, mesmo sendo maioria, as desigualdades raciais seguem estruturando o país.

“Segundo o Censo de 2022, 55,5% da população brasileira se autodeclara negra. Por quase 300 anos, o Brasil foi o território que mais recebeu africanos para a escravização. Mas a abolição aconteceu sem políticas de inclusão ou de reparação. O resultado desse processo de exploração pode ser visto até hoje: somos maioria entre os pobres, entre os encarcerados e entre as vítimas da violência do Estado. Esses dados mostram que as desigualdades não se corrigem sozinhas, elas exigem justiça reparatória”, afirmou.

Sara também sublinhou que a experiência brasileira dialoga diretamente com a pauta africana de reparações:

“Assim como no continente africano, onde a chamada independência política não significou emancipação real, no Brasil a abolição da escravidão também foi um projeto inacabado e injusto. Reparações não são apenas sobre o passado: são sobre garantir que possamos construir um futuro justo e sustentável para nossos povos.”

A participação da representante do Instituto de Referência Negra Peregum reforçou a necessidade de pensar as reparações como um instrumento de transformação econômica e política no Sul Global. Ao trazer exemplos do Brasil, Sara Branco ressaltou que a luta por justiça reparatória deve enfrentar não só os legados históricos da escravidão, mas também as formas contemporâneas de racismo econômico que afetam o acesso ao trabalho, à renda e à participação política.

A AfCoDD V consolidou-se como um espaço estratégico de construção de alianças internacionais pela justiça reparatória, reafirmando que a superação das desigualdades raciais e econômicas depende de uma abordagem global, ancorada na memória histórica, mas voltada para a transformação do futuro.

O Instituto de Referência Negra Peregum reafirma seu compromisso com a construção de uma agenda internacional de justiça racial e reparatória, entendendo que os desafios enfrentados pelas populações afrodescendentes no Brasil estão profundamente conectados às lutas históricas e contemporâneas do continente africano.

Para o Instituto de Referência Negra Peregum, fortalecer esses laços é estratégico não apenas para o reconhecimento da dívida histórica da escravidão e do colonialismo, mas também para a formulação de soluções conjuntas diante das desigualdades estruturais que atravessam o Sul Global. Nesse sentido, a atuação internacional do Instituto vem buscando contribuir para uma arquitetura financeira, política e social que coloque a vida e a dignidade dos povos negros no centro, consolidando pontes entre o continente africano e a diáspora como caminho para reparações e transformações efetivas.

Fotos: Howard | AfCoDD