Por Adriana Moreira
No último domingo, 6 de novembro, foi realizada a primeira bateria de provas do ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio 2024. Criado em 1998 com o objetivo de avaliar o desempenho escolar dos estudantes ao final da educação básica, ao longo do tempo, o exame se transformou. Sua metodologia foi aperfeiçoada e, em 2009, passou a ser utilizado como o principal mecanismo de acesso à educação superior do país.
Por meio do desempenho nas provas do ENEM, os estudantes podem participar do Sistema de Seleção Unificada (SISU) e do Programa Universidade para Todos (ProUni). Todos esses mecanismos de acesso ao ensino superior foram construídos com base no princípio da equidade, ou seja, os processos seletivos estão articulados, via de regra, em acordo com as instituições de ensino superior, que gerenciam o acesso às vagas de seus cursos por meio de ações afirmativas vinculadas à origem das unidades escolares públicas, renda familiar e cor/raça.
A introdução de questões objetivas no ENEM com temáticas que abordam a cultura negra da diáspora africana já não é novidade no exame. Isso é amparado pela LDB nº 9.394/96, que sofreu alteração em seu artigo 26-A por meio da Lei 10.639/03, que dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino de História da África e Cultura Afro-brasileira na educação básica. Autores como Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo, e poetas como Jorge Ben Jor e Racionais MCs aparecem no exame, antes mesmo de serem incluídos nas listas de escritores de grandes vestibulares do país.
A prova de redação do ENEM é uma das mais relevantes do exame. Todos os estudantes precisam demonstrar suas competências e habilidades ao produzir um texto argumentativo coeso e coerente sobre uma temática específica, adotando um posicionamento que não infrinja os Direitos Humanos. Além disso, a redação compõe cerca de 20% do valor da prova.
Em 2024, o tema da redação do ENEM foi “Os desafios para a valorização da herança africana no Brasil”, o que redimensiona os aprendizados sobre o vernáculo africano e a diáspora negra oferecidos pela escola brasileira e assegurados há 21 anos na LDB, por meio da luta histórica das organizações do movimento negro brasileiro.
A importância do ENEM para o sistema de ensino nacional é tal que ele orienta as ações das demais redes de ensino. Nesse sentido, o tema da redação do ENEM 2024, somado ao fato de que foi neste mesmo ano que ocorreu o lançamento do PNEERQ – Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Quilombola, apresenta-se como uma estratégia do Estado brasileiro para atender as reivindicações históricas de reorientação curricular introduzidas na sociedade brasileira pelo movimento negro. Como nos ensina a professora Nilma Lino Gomes, o movimento negro, por natureza, é um movimento educador, sempre instado a melhorar os processos de forma coletiva, a fim de ampliar as condições de vida e aprofundar os sentidos da democracia no país.
Além disso, é importante destacar que, dentro das reivindicações do movimento negro brasileiro relacionadas ao tema da redação do ENEM, é relevante lembrar que o movimento de cursinhos populares negros, como o Steve Biko (BA), o NCN/USP (SP) e o CPNV (RJ), foram pioneiros no debate sobre ações afirmativas no ensino superior no Brasil. O movimento cresceu, transformou-se e conquistou direitos como a Lei de Cotas nº 12.711/2012. Contudo, a luta pela ideia de que a universidade deve ser um espaço antirracista ainda enfrenta muitos desafios. Diante deles, a escolha do referido tema de redação, entretanto, demonstra a possibilidade de o antirracismo operar como um critério objetivo e relevante em um exame fundamental para o acesso ao ensino superior.