Agenda apresenta nove propostas em três áreas fundamentais: Educação, Clima e Desenvolvimento UrbanoMayara Nunes
Na noite do dia 20 de agosto, o Instituto de Referência Negra Peregum reuniu, em um evento histórico, candidaturas, movimentos sociais e organizações da sociedade civil, no espaço cultural Ala Jardim, em São Paulo, para o lançamento da “Agenda Peregum por Políticas Antirracistas – Eleições 2024”.
Durante a celebração, o Instituto compartilhou uma cartilha com orientações jurídicas para as candidaturas e também um manual de comunicação para o reconhecimento de discursos de ódio, além de uma agenda política programática com nove propostas nos temas de Educação, Clima e Desenvolvimento Urbano, consolidadas a partir da atuação da organização junto ao movimento negro.
Você consegue ver a agenda completa em: https://programas.peregum.org.br/agenda-peregum.
A Diretora-Executiva de Peregum, Vanessa Nascimento, abriu o lançamento agradecendo a presença de todas as candidaturas que demonstraram interesse em ouvir e incorporar as propostas e apresentou a proposta institucional de Peregum com as agendas dos movimentos negros.
“Peregum nasce com a demanda de fortalecer as organizações do movimento negro brasileiro, garantir a maior participação política das organizações negras e centralizar as demandas da população negra brasileira na disputa e no debate político. A iniciativa de hoje dialoga diretamente com a missão de Peregum, que é fortalecer o campo, fortalecer as organizações negras e garantir que o processo eleitoral não passe paralelo às formulações produzidas pelo movimento negro”, afirma Vanessa.
Além das iniciativas apresentadas, também foi realizado o lançamento do manifesto “Quilombo nos Parlamentos”, em parceria com a Coalizão Negra Por Direitos, com o objetivo de aliar estratégia e forças políticas negras, a fim de garantir que as questões raciais e sociais não sejam negligenciadas nas eleições de 2024.
O lançamento ocorreu no momento em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgou os percentuais de candidaturas femininas e de pessoas negras por partido para a destinação dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Segundo o TSE, o percentual de candidatos negros e negras registradas nas eleições municipais é o maior das últimas três campanhas, somando 52,73% das candidaturas. Em 2020, esse índice era de 50,02% e, em 2016, 47,75%.
O Consultor Sênior para Incidência Política e Advocacy, Douglas Belchior, refletiu a potência das candidaturas negras e pontuou o compromisso dos candidatos em uma proposta coletiva de articulação nacional dos movimentos negros.
“Vocês são os candidatos e candidatas mais radicais que esse país tem, vocês estão representando todos do país inteiro. Essa aqui não é uma agenda para pedir voto para vocês, nós não estamos fazendo isso aqui, vocês estão aqui porque vocês toparam levar à frente uma agenda coletiva do movimento negro para mostrar para o país que nós não estamos vacilando, que existe, sim, uma articulação nacional, que luta e exige uma representação política da maioria do povo brasileiro nos parlamentos desse país, é isso que vocês significam”, argumenta Belchior.
Educação
A primeira das agendas, dedicada ao tema da educação, tem como objetivo central a garantia do direito fundamental à educação de qualidade para crianças, adolescentes e jovens negros(as) e quilombolas. A agenda apresenta três proposições que visam fortalecer os sistemas educacionais públicos municipais em uma perspectiva antirracista: adesão à PNEERQ (Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola) e ao Programa Escola das Adolescências; e a constituição de um Observatório Permanente para o Sistema de Ensino Municipal Antirracista.
Adriana Moreira, Coordenadora-Geral de Formação para Educação das Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola, na SECADI/MEC, aborda as problemáticas da trajetória escolar dos estudantes negros, da educação básica ao ensino médio, e destaca as articulações com programas nacionais que foram lançados no último período e a importância da construção de métricas e relatórios de observação das infâncias e juventudes negras a fim de garantir políticas que contemplem suas necessidades dentro do ambiente escolar.
“Qualquer política pública, se não for acompanhada, ela não existe, nenhum legislador, nenhum membro do executivo vai investir em uma política se ela não for acompanhada sistematicamente, se ele não tiver que devolver número ou qualquer coisa assim. Nós precisamos ter um observatório permanente da educação dos sistemas municipais antirracistas. Eles precisam ser antirracistas, isso está no horizonte, mas eles ainda não são”.
Clima e Desenvolvimento Urbano
A Agenda Peregum destaca o quanto as cidades são caracterizadas pela segregação racial. Para combater a naturalização dos impactos raciais do desenvolvimento urbano, o Instituto traz a necessidade de promover: a mensuração dos impactos raciais de investimentos públicos e privados; investimentos em grandes obras de desenvolvimento, como urbanização de favelas, duplicação de avenidas e novas infraestruturas de transporte; a imposição legal de medidas de mitigação dos impactos raciais de investimentos públicos e privados mensurados para obtenção de licença; e de dispositivos de manutenção e aumento da população negra nas áreas de intervenção urbana planejadas e em implantação.
Para Gisele Brito, Coordenadora de Cidades Antirracistas de Peregum, a cidade tem muitos problemas, mas existem abordagens que podem tratar da cidade pela perspectiva dos movimentos. “O movimento negro brasileiro sempre enfrentou questões de desigualdade racial nos territórios e enfrentou isso disputando as políticas, disputando a chegada da escola, do asfalto, do esgoto, da água, da luz, tudo isso. A população negra e os movimentos negros sempre tiveram envolvidos com isso”, afirma.
Gisele aponta o impacto que o incentivo à verticalização das cidades ligada ao barateamento dos custos das construções, em uma parceria evidente entre mercado imobiliário e Estado, virou sinônimo de intermédio para organização de moradias brancas de classe média e alta. A pesquisadora traz aos candidatos um levantamento feito por meio de cartografias que demonstram a retirada da população negra dos territórios com a chegada da infraestrutura.
“Isso é muito importante, do ponto de vista disso que eu falei do planejamento, da organização da cidade. A gente sabe que a lei está no papel e que tudo depende de luta e que, agora, a gente tem um instrumento para lutar com um vocabulário racial levando em consideração, e todo mundo que está aqui na luta sabe o quanto é difícil a gente apontar o racismo, a gente ter que ficar provando o que é óbvio”, argumenta Gisele.
A coordenadora de cidades antirracistas pontua: “A gente conquistou isso e fazem parte disso as propostas que a gente apresenta aqui, a importância de que cada candidatura que está aqui leve e assuma isso como uma proposta importantíssima, de colocar esse parâmetro, de colocar essa linguagem, de assumir a necessidade e a urgência de reconhecer que o racismo é o problema central da organização das cidades e que ele precisa ser dito claramente na lei e combatido”.
Na sequência, a Coordenadora da área de Combate ao Racismo Ambiental, Maíra Silva, fala sobre a importância de trazer a pauta do racismo ambiental para o centro do debate político. “Quando a gente pensa no racismo ambiental, a gente está falando de violações de direitos, a gente está falando sobre desigualdades ambientais que recaem aos nossos corpos e que são históricas na construção deste país. Quando a gente fala de racismo ambiental, a gente está falando de um histórico que passa pela diáspora africana, que tem a ver com o processo de colonização e que nós vemos as consequências até nos dias de hoje”, explica Maíra.
A velocidade das alterações climáticas está ocasionando eventos catastróficos em diversas cidades brasileiras. Um desenvolvimento urbano que não se atenta para a existência do racismo ambiental acaba por reproduzir a lógica racista. É fundamental priorizar a mitigação dos impactos causados pelas mudanças climáticas, como também a adaptação das cidades para uma melhor qualidade de vida da população, sobretudo os territórios de maioria negra.
Maíra Silva menciona a contribuição dos povos tradicionais para a manutenção dos biomas do Brasil, contribuição pouco evidenciada, e aponta para a necessidade de um compromisso das candidaturas com o desenvolvimento de políticas públicas de mitigação e adaptação climática. “Essas propostas estão relacionadas, como passar esses eventos? Como é que a gente vai viver daqui pra frente?”, questiona a coordenadora.
“Pensar processos, planos, propostas de mitigação e propostas de adaptação. E, para isso, se adaptar, algo que, historicamente, nossos povos, nossos mais velhos, seja no terreiro, seja nos quilombos, já faziam, cuidavam e faziam essa manutenção do ambiente, essa manutenção climática, mas não é só isso. Hoje, a gente fala que essa adaptação que o nosso povo preto já faz não é suficiente pra gente passar pelas mudanças climáticas. Por isso, é necessário também que haja políticas públicas de adaptação, mas uma adaptação que não continue violando nossos corpos”, finaliza Maíra.
Durante o lançamento, dezenas de pessoas candidatas à vereança e aos executivos municipais se comprometeram a adotar as nove agendas em seu plano de governo. As proposições buscam garantir a fiscalização, a criação e a ampliação de indicadores antirracistas para a promoção da equidade racial.