Evento analisou a investigação do inquérito que averigua a participação do Banco do Brasil na escravização brasileira
No dia 2 de março de 2024, a UNEafro Brasil, o Instituto de Referência Negra Peregum e o Alma Preta Jornalismo realizaram no auditório da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) o seminário internacional “Reparação Histórica e Solidariedade na Diáspora Negra”.
O encontro foi dividido em duas partes. O primeiro momento foi mediado pelo cofundador da UNEafro Brasil, Douglas Belchior, e contou com a participação do procurador do Ministério Público Federal, Júlio José Araújo Júnior; da jornalista, cientista política e ativista, Diva Moreira; do colunista e pesquisador, Michael França e do professor, escritor e ativista, Hélio Santos.
Douglas Belchior defende que a participação da população negra é fundamental na discussão sobre a reparação. “Para se pensar reparação, há que se refletir e mensurar o dano causado. Quem é capaz de dizer quanto a sociedade brasileira deve à população negra por tê-la escravizado por quase 400 anos? Qual o cálculo dos assassinatos, das torturas, do genocídio, do trabalho compulsório de milhões por tantos séculos? Mensurar é fundamental para que fique claro que todo dinheiro do mundo não é capaz de pagar e equivaler o mau que foi perpetrado”, explica.
A participação do Ministério Público Federal foi fundamental para a compreensão do inquérito civil público que investiga o envolvimento do Banco do Brasil no tráfico e na escravização de africanos no século 19. O procurador Júlio José Araújo Júnior abriu a primeira rodada, apresentando ao auditório detalhes da investigação.
Júlio José Araújo Júnior afirmou que o órgão tem a responsabilidade de analisar a participação da instituição financeira na escravização de africanos no país. Em suas palavras, isso significa identificar “quem perpetrou, o que perpetrou e o que será feito em relação a isso”. Segundo o procurador, “fundos para a reparação histórica da população negra são factíveis”.
Organizações da sociedade civil, movimentos, entidades e coletivos se pronunciaram e apresentaram por escrito suas manifestações sobre o inquérito. O procurador ouviu as propostas de lideranças e ativistas com relação às medidas de reparação a serem adotadas pela instituição financeira.
Entre as instituições presentes, estiveram o Instituto de Referência Negra Peregum, Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), Casa de Xangô, Associação de Amigos/as e familiares de presos/as (Amparar) e Movimento Negro Unificado (MNU).
Um documento foi sistematizado a partir das demandas levantadas pelas organizações presentes e enviado ao Conselho de Desenvolvimento Econômico, Social e Sustentável, o Conselhão, da gestão Lula (PT), que deve instituir formalmente um Grupo de Trabalho sobre Reparações.
Em análise, o professor Hélio Santos declarou a reparação como um tema que chegou para ficar e, portanto, segundo ele, o movimento negro precisa se habilitar para lidar com esse momento. “O Banco do Brasil saberá que uma parcela de durante pelo menos um século tem que ser algo profundo, uma parcela são fundos e quem vai administrar isso? É um desafio, por isso, a unidade. Nós temos que nos habilitar para esse momento. Vejam que o aspecto metodológico é importante porque quais fundos nós faremos? Como é que esses fundos serão geridos? Qual será a nossa participação para acompanhar e fazer com que esses recursos sejam endereçados para determinados lugares?”, questiona o professor.
O professor Hélio também defende a criação de um modelo de reparação dos danos e violações e apresenta algumas possibilidades. “Nós temos que apresentar modelos, o IBGE acaba de apontar cerca de 6 mil comunidades Quilombolas, onde há cerca de 1 milhão e 300 mil pessoas. Esse é o modelo perfeito. Tornemos essas 6 mil comunidades 6 polos de desenvolvimento baseados na economia verde. E que nós possamos não só pensar no turismo étnico, não só no ecoturismo, que é importante, mas pensar em modelos de desenvolvimento que possam servir, inclusive, para o país como um todo”, explica.
A jornalista e cientista social Diva Moreira ilustrou a todos o tamanho da ferida durante sua palestra na primeira parte do seminário. “A gente só está falando de reparações porque as consequências da escravização e do racismo estrutural e institucional da República estão aqui hoje entre nós. Somos majoritários em todos os segmentos mais oprimidos, destituídos, de mais baixa remuneração, por isso que a gente está cobrando reparações. O que o Banco do Brasil está pensando daqui a cem anos, daqui a duzentos anos, né? A gente não pode ficar esperando mais tempo. Chega! As consequências sociais sobre as nossas famílias foram um desastre e essas consequências já se mantêm por 135 anos”, justifica.
Em sua apresentação, Diva Moreira menciona os dados levantados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que fez um estudo sobre mobilidade intergeracional e descobriu que precisará de nove gerações para que a população pobre e negra alcance o mesmo nível de renda da classe média. “Nove gerações. É justo isso? Isso é imoral, indecente”, afirma a cientista social.
A segunda parte do seminário trouxe como tema a “Solidariedade e Fortalecimento de Redes Diaspóricas na Luta contra o Capitalismo Racial”. Entre os convidados, estiveram presentes Phumi Mtetwa, diretora regional da Just Associates Southern Africa (África do Sul); Janvieve Willians, diretora-executiva do AfroResistence (Panamá); Natalie Jeffers, diretora do Matters of the Earth (Reino Unido); Dmitri Holtzman, pesquisador sênior da Race Forward (África do Sul) e Thenjiwe Mcharris, cofundadora e codiretora da Blackbird (EUA).
Representantes de organizações da sociedade civil e de movimentos sociais dialogam com representantes de instituições financeiras sobre a importância de estabelecer uma rede entre países da diáspora africana que sofreram com o escravismo e com o colonialismo. Foi definido um fórum para a continuação dos debates e campanhas acerca da reparação histórica.