A coordenadora de Incidência, Ágatha de Miranda, representou Peregum e falou sobre cultura, movimento negro e inovação pela ótica da juventude negra brasileira
Entre os dias 11 e 13 de outubro, a Warner Music Group e a Blavatnik Family Foundation – Fundo de Justiça Social (WMG/BFF SJF) realizaram o evento “Música e Movimento: A Cifra Global” que, neste ano, celebrou o 50º aniversário do hip-hop e seu poder de inspirar experimentação criativa, inovação e transformação narrativa, elementos que também são relevantes para a construção de movimento.
O encontro fomentou um amplo debate sobre cultura, arte e políticas raciais. O Instituto de Referência Negra Peregum foi a convite da Fundação Blavatnik, um dos mecanismos criados nos EUA após a morte de George Floyd. A convenção contou com painéis, apresentações e oportunidades de networking para líderes dos setores de justiça social, filantropia e entretenimento.
A coordenadora de Incidência Política e Litigância Estratégica de Peregum, Ágatha de Miranda, participou da mesa “Liberated Futures: Visioning 2030”, ao lado de Krystal Redman, diretora-executiva da Spark Reproductive Justice Now; Daisy Maxion, organizadora da Filipino Advocates for Justice; Donavon Taveras, diretor de programas da El Puente; e James Lopez, diretor-executivo da Power U.
O painel teve como objetivo ampliar as vozes e a visão de jovens organizadoras/es de justiça social, engajadas/os enquanto lideranças por justiça racial, direitos lgbtqiapn+, reforma da justiça criminal e justiça reprodutiva nos EUA e internacionalmente e traçar perspectivas de um mundo possível, tendo em vista a necessidade de criar soluções transformadoras e criativas diante de um cenário desafiador de crises globais em cascata.
Durante a conversa, o mediador, James Lopez, fez uma provocação aos integrantes do painel, perguntando em qual momento da vida os participantes se reconheceram nas lutas pelas quais suas organizações atuam. E dentro de um contexto que enfatiza a relação entre música e movimento, Ágatha de Miranda mencionou, durante sua apresentação, que se reconhece na luta por justiça e equidade racial desde muito cedo e que, ainda na infância, já compreendia o tom de protesto trazido nas poesias de Mano Brown e dos Racionais MC’s.
“A minha primeira experiência pensando aqui, agora, foi ouvir um grupo de rap do Brasil chamado “Racionais MC’s”. Eles são jovens que vêm de uma área muito pobre de São Paulo e encontraram na música uma forma de protesto e organização. É a referência mais importante da música no Brasil que fala sobre a nossa realidade. Eu acho que essa é a lembrança que me vem à cabeça quando, ainda na infância, fui impactada pela necessidade de proteger a minha família e comunidade das violências provocadas pelo racismo. Tinha que lutar pela minha família, por mim e pela minha comunidade”, rememora Ágatha.
Ágatha afirma que é preciso lutar por uma sociedade diferente no Brasil e que é por essa razão que trabalha com justiça social e racial no país e também numa luta global. A coordenadora de Incidência Política explica ao público estadunidense sua vivência nas “Jornadas de Junho de 2013”, aos 17 anos, quando começou sua atuação como militante e defensora dos direitos humanos e quais mudanças o Brasil enfrentou depois das manifestações incitadas pelo “Movimento Passe Livre”, mas que, no decorrer da jornada, foram protagonizadas pela extrema-direita no país.
”Muita coisa mudou nesse período de 10 anos, mas não sei se são tantas mudanças assim. Estou falando de um lugar muito complicado para os negros, para as mulheres, para os indígenas, para as pessoas LGBT. O Brasil é um lugar difícil de viver e de lutar, mas nós temos lutas históricas, em relação à raça, em relação às mulheres. Estou falando desse lugar, eu sou negra, feminista, jovem, mulher, e uma coisa que eu preciso contar pra vocês é que, em 2013, uma pessoa foi presa e condenada por estar nas ruas lutando por causa do valor do transporte público. Não me surpreende, é um jovem negro chamado Rafael Braga e ele foi a única pessoa presa e condenada a uma pena de mais de seis anos porque trazia consigo produtos de limpeza, o que não é um crime, mas ele foi preso”, conta.
Ágatha relembra a saga de Rafael Braga, um símbolo da seletividade penal brasileira. Em 2016, Rafael foi preso novamente, acusado de tráfico de drogas, em uma abordagem policial sem testemunhas. “Então, esse é o cenário dos jovens no Brasil. Se você quer que as pessoas lutem, você é punido pela polícia, pelo sistema de justiça. É difícil, mas acho que a gente está sempre inventando outras maneiras de continuar. Então, eu digo que existe uma organização que apoia essas pessoas no Brasil, é um movimento popular chamado “Uneafro Brasil”, declara.
A transformação feita por mãos negras
A coordenadora de Incidência Política e Litigância Estratégica do Instituto de Referência Negra Peregum relata ao público estadunidense a relação entre a Uneafro Brasil com o eixo de educação popular de Peregum, e mostra que é possível fazer a diferença, mesmo enfrentando tantas adversidades sociais, culturais e econômicas, e que, se não fosse o racismo, a juventude negra não encontraria tantos obstáculos em alcançar seus potenciais.
“Conheço três meninas, três jovens que estão fazendo a diferença no Brasil”. Uma delas é vereadora da cidade de São Paulo e é uma mulher negra e lésbica, tem cerca de 24 anos. E a outra tem 19 anos, ela descobriu um asteroide num programa de caça asteroides. Não sei se vocês sabem, mas São Paulo é a maior cidade da América Latina. Portanto, é algo muito importante o que elas estão fazendo, porque são todas meninas pobres e negras fazendo coisas importantes na área política”, conta.
Ao citar as jovens da Uneafro Brasil, Ágatha relembra o assassinato da vereadora Marielle Franco, enfatizando as complexidades e os riscos que defensoras de direitos humanos correm ao defender causas que atravessam suas vidas, no contexto brasileiro. E o quanto é necessário dar condições e segurança a essas pessoas para que, cada vez mais, possamos visualizar um futuro mais justo e inclusivo.
“Júlia, Débora e Ana Beatriz, essas meninas são o exemplo de como as coisas podem mudar. Esse é o cenário que estou vendo, é muito difícil lutar, mas estamos fazendo isso há muito tempo, podemos fazer algo diferente. Eu acho que é muito importante apoiar a luta das mulheres, a luta LGBTQIAPN+, a luta dos negros, a luta da juventude. A luta da juventude é muito importante e pode ser um apoio para toda a sociedade. Nesses 10 anos, aconteceram tantas coisas ruins, mas outras pessoas estão chegando e fazendo a diferença. Por isso, acho que estamos fazendo a coisa certa. A luta coletiva, o cuidado coletivo e o reconhecimento coletivo que tem sido passado de geração em geração”, destaca.
A coordenadora e advogada fala da importância da união dos grupos que lutam por igualdade e direitos humanos no Brasil, e que tentam fortalecer o diálogo da sociedade brasileira com outros países da América Latina. “É um movimento importante que está acontecendo no Brasil. Porque tivemos Bolsonaro, que foi o responsável pelo pior governo da história. E em toda a América Latina, tem um movimento muito parecido na política, que é muito conservador, e a gente aprende com a experiência dos outros países. Acho que um espaço como esse é muito importante para sabermos o que estamos fazendo e falando em relação às nossas estratégias de luta. E também acho que essa é uma boa maneira de continuar a lutar”, conclui Ágatha de Miranda.
O evento organizado pela Warner Music Group e a Blavatnik Family Foundation – Fundo de Justiça Social aconteceu em Nova Iorque e abordou a ligação entre cultura e mudança de sistemas na oportunidade para moldar uma nova visão para o futuro, discutindo os paralelos entre a indústria e a construção de movimentos e como podemos avançar e sustentar a mudança social.
Texto| Mayara Nunes
