Peregum inicia projeto para ampliar as oportunidades educacionais para meninas negras e imigrantes

4 / 04 / 2025
Notícia

Iniciativa pioneira visa promover mudanças nas políticas públicas e práticas pedagógicas no Brasil, enfrentando desigualdades históricas de gênero e raça

Em um movimento pioneiro, o Instituto de Referência Negra Peregum iniciou as atividades do projeto Firminas e Mahins em 2025. A iniciativa integra o Programa Malala Peregum, uma ação inovadora, focada em fortalecer o direito à educação de meninas negras e imigrantes no Brasil. O projeto busca promover uma trajetória educacional mais inclusiva, ao mesmo tempo em que enfrenta as desigualdades históricas de gênero e raça presentes na educação básica brasileira.

O projeto Firminas e Mahins recebeu apoio fundamental do Fundo Malala, uma instituição global voltada para a promoção da educação feminina, e tem como objetivo central ampliar as oportunidades educacionais para meninas que enfrentam obstáculos relacionados à raça, gênero e imigração. O programa articula uma rede de colaboração entre diversas organizações do movimento negro, unidades educacionais e pesquisadores, todos com o intuito de influenciar políticas públicas e transformar práticas pedagógicas no Brasil.

A ação foi oficialmente lançada no dia 27 de fevereiro, com um encontro marcante que reuniu as 15 jovens participantes e suas respectivas famílias. O evento começou com a apresentação do Instituto Peregum, realizada pela diretora de áreas e estratégia, Beatriz Lourenço. Em seguida, o projeto foi detalhadamente apresentado pela coordenadora da área de educação, Adriana Moreira, que explicou os objetivos gerais e apresentou as formadoras que acompanharão as jovens nos próximos dois anos.

Com 22 anos de experiência como ativista cultural, Elizandra Souza é escritora, poeta e jornalista. Ela tem se dedicado especialmente à difusão do jornalismo cultural da periferia e à promoção da Literatura Negra Feminina. No Firminas e Mahins, atuará como arte-educadora, oferecendo uma oficina de escrita criativa para 15 jovens nos próximos dois anos. “Este projeto é um verdadeiro sonho, aquele sonho de menina, pois nos oferece a oportunidade de estudar linguagens artísticas dentro da escola e debater temas fundamentais para a nossa sociedade, como machismo, racismo, pertencimento e identidade. Acredito que isso será essencial para fortalecer a trajetória dessas meninas negras, que terão a chance de disputar as narrativas no mundo”, afirma. 

Dirce Thomaz é atriz, diretora, dramaturga e arte-educadora com mais de 30 anos de trajetória. Ela é reconhecida por interpretar personagens icônicas que retratam o papel da mulher negra na sociedade em diferentes contextos. Em sua trajetória nos palcos, destacou-se ao interpretar Carolina Maria de Jesus, autora de Quarto de Despejo, e Xica da Silva, uma das personagens mais emblemáticas da história do Brasil.

Dirce acredita que a metodologia da arte-educação desempenhará um papel fundamental no desenvolvimento das meninas do Projeto Firminas e Mahins, acompanhando-as ao longo de várias fases de suas vidas. Ela ressalta: “O objetivo, no meu caso, como professora da oficina de teatro negro, não é fazer com que elas se tornem atrizes, mas sim ajudá-las a se tornarem cidadãs. Se algumas delas desejarem ser atrizes, isso acontecerá naturalmente, à medida que se descobrirem por meio do processo artístico e educacional”. 

“O trabalho que realizamos na formação teatral é um processo de descoberta do corpo, do gesto, da voz. Como povo negro, somos profundamente ligados à oralidade: primeiro falamos para, depois, escrevermos. Todo esse processo oferece uma iniciação, um caminho para que essas 15 meninas se descubram enquanto mulheres e meninas negras. Mais do que isso, é um processo de respeito próprio, de proteção e de apoio mútuo, de ‘aquilombação’ – cuidando de si mesmas e ajudando a proteger as outras”, pontua a arte-educadora. 

Além das apresentações gerais, cada jovem recebeu um kit educacional, que inclui mochila, computador, livros, cadernos, canetas e outros materiais essenciais para o acompanhamento do projeto. Além disso, foi entregue um kit de beleza, em parceria com o projeto Kit com Elas, que distribui itens de higiene pessoal para mulheres em situação de vulnerabilidade. Essa ação simbólica reforça o compromisso do Instituto Peregum não apenas com o aspecto educacional, mas também com o bem-estar e a autoestima das participantes.

A produtora cultural Vera Lúcia Campos se emociona ao falar sobre a parceria entre o Firminas e Mahins e o Kit com Elas: “Estou muito emocionada em fazer parte deste projeto em parceria com o Instituto Peregum, trazendo os kits de higiene. O Kit com Elas foi um projeto que iniciei em dezembro de 2020, motivado pela pandemia, e surgiu a partir de uma necessidade de mulheres em condição de vulnerabilidade. Nós sabemos que, nas escolas, há uma dificuldade de acesso a produtos de higiene, como absorventes, para as meninas. Trazer esses kits para o projeto é uma maneira de apoiar essas meninas e colaborar com as escolas. A entrega desses kits tem um impacto muito grande, especialmente em elevar a autoestima das nossas estudantes pretas”, afirma Vera. 

Conhecendo a contribuição africana para a cultura brasileira

O Museu Afro Brasil, localizado no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, destaca a perspectiva africana na formação do patrimônio, identidade e cultura brasileira. Em 21 de março, Dia Internacional da Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, o museu recebeu 15 jovens participantes do projeto, que realizaram uma visita guiada ao espaço.

Essa visita proporcionou às estudantes, provenientes de países como Angola, Guiné-Bissau, Haiti, Congo, entre outros, a oportunidade de aprofundar seus conhecimentos sobre a história e a contribuição dos povos africanos para a formação cultural do Brasil.

O encontro foi conduzido pelo professor Carlos Eduardo Dias Machado, mestre em História Social pela USP e autor de livros como Ciência, Tecnologia e Inovação Africana e Afrodescendente e Wakanda para Sempre!: Tradições africanas milenares decifradas para entender o filme Pantera Negra.

Em sua fala, Carlos Machado enfatizou a importância das políticas públicas voltadas para mulheres e meninas negras, considerando-as como uma forma de reparação. Ele também destacou a relevância do projeto, que aborda questões específicas da juventude negra.

“Hoje, durante a atividade, discutimos a história da África, que é a história matriz de toda a humanidade, e ressaltamos que as mulheres negras também fazem parte dessa história. No entanto, essa história tem sido sistematicamente negada pela ciência e pela história brasileira. Trazer especialistas para falar sobre isso é uma forma de reparação, diante de um crime contra a humanidade, um genocídio praticado pelos europeus e seus descendentes nas Américas”, afirma o professor.

Texto| Mayara Nunes