Além das pressões da especulação imobiliária, suposta proteção à vida sugerida pelo prefeito de São Paulo deve aumentar os riscos associados a remoções em massa. Financiamento em adaptação climática deve levar em consideração impactos sociais.
O Jardim Pantanal, localizado na zona leste de São Paulo, enfrenta há décadas alagamentos recorrentes, situação agravada pela crise climática como nos últimos dias pelas chuvas intensas. Com cerca de 45 mil habitantes, a região convive com prejuízos e riscos constantes. Um estudo da Prefeitura de São Paulo apontou que a remoção das famílias das áreas alagadas seria a opção mais onerosa, chegando a custar até R$ 1,9 bilhão. Ainda assim, o prefeito Ricardo Nunes sugeriu realocar os moradores, oferecendo R$ 50 mil por família. O prefeito também tem destacado que o custo, por exemplo, para a construção de um dique na região, custaria algo em torno de R$ 1 bilhão, o que, segundo ele, “seria mais fácil tirar as pessoas”.
Para o Instituto de Referência Negra Peregum, essa proposta agrava a vulnerabilidade social e racial da população, além de ser um péssimo exemplo que pode ser seguido por outras prefeituras Brasil afora. As remoções em massa já são uma realidade no País, porém, assim como sugerido pelo prefeito da capital paulista, as mudanças climáticas podem ser usadas como justificativa para tais ações, dando a elas caráter humanitário que não existe.
A organização defende soluções estruturais que promovam urbanização e infraestrutura adequadas, evitando remoções forçadas e garantindo condições dignas de moradia. Quando as remoções forem inevitáveis, o Instituto aponta que elas devem ser acompanhadas de alternativas habitacionais apropriadas, preservação da identidade comunitária e realocação de espaços essenciais para a vida local, como a preservação da memória e reassentamento de espaços religiosos, de sociabilidade e geração de renda.
Segundo Gisele Brito, coordenadora de Cidades e Clima do Instituto, “a indenização de R$ 50 mil por família empurra essas pessoas para outras regiões igualmente precárias, sem resolver a raiz do problema. Esse tipo de medida transfere a responsabilidade para quem sofre com a falta de investimento público, em vez de garantir infraestrutura e urbanização adequadas. No atual contexto de emergência climática, a remoção se torna uma solução simplista e ineficaz, quando o real caminho seria investir na melhoria das condições urbanas, equilibrando preservação ambiental e qualidade de vida”.
O Instituto destaca ainda que a organização das cidades brasileiras tem sido historicamente marcada por segregação racial. Em São Paulo, há bairros onde mais de 90% da população é branca, enquanto regiões de predominância negra recebem menos investimentos e enfrentam processos de expulsão indireta, como valorização imobiliária descontrolada, aumento dos aluguéis e criminalização dos moradores.
A crise climática tem evidenciado ainda mais essas desigualdades. Eventos extremos afetam de forma desproporcional as populações negras e periféricas, que têm menos acesso a infraestrutura e serviços públicos de qualidade. O Instituto alerta que investimentos públicos não podem se concentrar apenas em regiões privilegiadas, reforçando o ciclo de exclusão. Obras de urbanização, drenagem e segurança devem ser implementadas sem que isso signifique a remoção forçada de comunidades vulnerabilizadas, pois essa prática afeta laços sociais, redes de sustento, acesso a serviços essenciais e a saúde mental dos moradores, sobretudo das mulheres negras.
Outras medidas propostas pelo Instituto Peregum para soluções urbanas justas e inclusivas:
- Implementação de indicadores para mensurar os impactos raciais das transformações urbanas e ambientais, garantindo políticas que combatam o racismo ambiental;
- Adoção de critérios de reparação para a população negra em áreas vulneráveis, com levantamento de dados sobre cor e raça dos afetados e beneficiados por ações públicas;
- Priorização de investimentos em urbanização que equilibrem demandas ambientais e assegurem a permanência da população negra nos territórios onde já vivem.
“As políticas públicas de adaptação climática precisam enfrentar as desigualdades raciais e garantir investimentos que promovam melhorias reais nas condições de vida da população, sem reforçar o racismo estrutural”, conclui Gisele Brito.